quinta-feira, 12 de junho de 2008
O NORDESTE E O MITO DA NECESSIDADE CRÔNICA
O desenvolvimento econômico brasileiro verificado depois da Segunda Guerra Mundial deu-se alheio à resolução de problemas estruturais que até hoje pesam na busca de um desenvolvimento socioeconômico sustentável.
Como exemplo desses problemas tem-se que os investimentos na área econômica e social concentram-se na região Centro-Sul aprofundando os desequilíbrios regionais no Brasil. Desta forma o Nordeste se transformou numa área de repulsão da população, que em meio às “estiagens” de investimentos públicos migrou para o Centro-Sul em busca de empregos no setor secundário da economia dos grandes centros urbanos.
Em 1996 o Nordeste detinha os piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do país; a menor expectativa de vida, média de 64,2 anos; uma taxa de analfabetismo de 30%, correspondente ao dobro da média brasileira e a menor renda per capita, média de 3 095 dólares. Acumulando assim um IDH médio de 0,603, inferior as demais regiões brasileiras. Segundo ADAS (1998), do total da população desnutrida do país, entre 50 e 55% estão no Nordeste e de cada 100 crianças, 68 não se desenvolvem satisfatoriamente. ANDRADE (1999), classifica o IDH brasileiro em três séries. Aqueles com IDH superior ao do país, 0,809, seguidos dos que formam os estados com IDH médio, entre 0,786 e 0,615 e terceiro, o grupo dos estados pobres com IDH inferior a 0,615, dentre os quais encontram a maioria dos estados nordestinos.
Sabemos que ao lado da sustentabilidade econômica tão arduamente perseguida pelo governo brasileiro, é imprescindível haver sustentabilidade social.
““..., isto é, o estabelecimento de um processo de desenvolvimento que conduza a um padrão estável de crescimento, no qual se possa obter uma distribuição de renda e dos ativos, assegurando uma melhoria dos direitos das grandes massas da população e com uma redução das atuais diferenças entre os níveis de vida daqueles que não tem” (EDUCAÇÃO Ambiental: curso básico a distância: questões ambientais; conceitos, historia, problemas e alternativas. MMA, 2001)
E, como se já não fosse bastante, aliado a esse gravíssimo déficit social, o Nordeste tem sido vítima de uma avalancha de discursos alienantes, provindos da classe média-alta, principalmente de elite política daquela região, tentando vincular a deplorável qualidade de vida exclusivamente a escassez de chuva na região.
Fosse para explicar ou responder com meias palavras a essas justificativas simplistas e estereotipadas, dir-se-ia: “o que falta chover de água na região Nordeste, chove de investimento público e iniciativas locais no Centro-Sul”.
Entretanto esse assunto merece uma análise mais aprofundada.
Apontar as estiagens prolongadas como fator responsável pela pobreza da população nordestina, é estabelecer-se sob uma perspectiva determinista, considerada ultrapassada pela geografia moderna.
A primeira grande estiagem no Nordeste foi registrada em 1559 (ANDRIGHETTI, 1998). Nessa época o máximo que se conseguia fazer era registrar o fenômeno. Hoje, porém, graças aos avanços dos recursos tecnológicos têm-se instrumentos capazes de prever a data de ocorrência da estiagem e o período de duração com uma precisão satisfatória. O que tem faltado é uma ação efetiva do poder público local, que parece se satisfazer com a justificativa simplista de que não é culpado pelas “intempéries” que incorrem contra a população nordestina.
No Nordeste chove mais que em outros lugares críticos do mundo onde o governo e a população já encontram alternativas para elevar o seu padrão de qualidade de vida. Pode-se citar o exemplo do Peru, país pequeno, mas com um total de hectares irrigados maior não só que o do Nordeste, mas também superior a total de terras brasileiras irrigadas.
Outro exemplo é Israel que transformou o deserto do Negev em uma área de agricultura moderna de produção de alimentos em, cerca de apenas, meio século. O Nordeste brasileiro tem mais de cinco séculos de existência e não possui ainda uma área equivalente ao tamanho do Negev com tecnologia agrícola e organização da produção comprováveis.
A sub-região do Nordeste que sofre com as secas é o Sertão nordestino, mais precisamente o Polígono da Secas, áreas onde a precipitação anual é inferior a 750 mm/ano. A Zona da Mata, sub-região litorânea e oriental, é chuvosa e o nível de pobreza da maioria da população é compatível ao encontrado no sertão.
O lençol de águas subterrâneas do Nordeste é rico e capaz de fornecer “cerca de 9 bilhões de metros cúbicos de água de água/ano” (ANDRIGHETTI, 1998). Todavia esses recursos hídricos não são devidamente utilizados, ou melhor, não estão acessíveis à população de baixa renda através de projetos de irrigação.
O município de Várzea Nova na região Piemonte da Chapada Diamantina, sertão baiano, com precipitação média anual de 550 mm, possui uma vazão em águas subterrâneas de 389.375 l/hora já instalados, mas nenhum micro projeto de produção agrícola irrigada.
Em 1992 e 1993, segundo ANDRIGETTI (1998), enquanto milhões de nordestinos ainda colhiam os frutos de mais uma seca prolongada, o Nordeste exportava milhões de toneladas de uvas e 15 mil de mangas para os Estados Unidos e Europa, faturando cerca de U$ 30 milhões.
Assim vê-se que a seca não é o principal entrave para o desenvolvimento humano do Nordeste. Água existe no Nordeste, basta saber: quem está se apropriando deste valioso recurso? A quem ela beneficia? Pelos dados aqui apresentados pode-se concluir que a grande maioria da população nordestina não é favorecida.
“Aqueles que costumam dizer que a seca é causa da miséria e da pobreza de grande parte da população nordestina estão cobrindo as causas reais do problema. As causas da miséria e da pobreza não são naturais, são fundamentos sociais e políticas” (ADAS, 1998)
De fato, as causas da pobreza no Nordeste são fundamentalmente sócio políticas. Já se fala em “indústria da seca” no Nordeste. Para alguns poucos a seca produz bons resultados seja ele político fazendo alianças e pedindo apadrinhamento da esfera federal de governo; seja ele empresário beneficiando-se de recursos federais para ali destinados. Ambos levantam o quadro de um Nordeste castigado pelas estiagens, agonizante e solícito. O que CASTRO (1991) chama de reforçar o imaginário da pobreza:
“Politicamente, trata-se, portanto, de reforçar o imaginário da pobreza, sustentado numa realidade de penúria, para estabelecer a ficção da ajuda como única solução. O cenário de miséria tem sido historicamente um marketing eficiente para as alianças da elite política regional, que é também, na maioria dos casos, a elite econômica. A imagem da necessidade e do abandono tem um endereço certo e um retorno garantido de dividendos políticos e econômicos.”
O socorro do governo federal às áreas atingidas pelas secas resume-se: envio de verbas públicas (grandes somas de dinheiro); envio de cestas básicas para a população carente e perdão total ou parcial de dívidas públicas contraídas através de empréstimos para a agricultura.
O dinheiro enviado pelo governo federal dificilmente chega ao seu destino e quando chega é para pagamento de frentes de trabalho à população carente. Entretanto essas frentes de trabalho se destinam a abertura de estradas e construção de açudes, obras essas não poucas vezes feitas nas propriedades dos grandes latifundiários, empresários e coronéis da região, vale salientar que muitas vezes paga-se aos trabalhadores menos que o salário mínimo.
As cestas básicas geralmente são distribuídas por políticos locais, vereadores, prefeitos e deputados, os quais favorecem a amigos e familiares, ao tempo que se aproveitam para se promoverem politicamente. Através do populismo e com recursos ilícitos eles são vistos como os prestadores de “favor” aos pobres. Os “homens bons” da contemporaneidade. Assim ganham as eleições em todas as esferas de governo e quando chegam a Brasília tomam as tribunas com discursos de “algodão-doce” – agradáveis, mas pouco ou nada reais.
A população de baixa renda não possui dívidas com o governo. Os bancos brasileiros oficiais pouco emprestam dinheiro aos pobres, mesmo tendo sido comprovado serem estes fiéis pagadores. Assim os beneficiados com a anistia e dívidas públicas são os grandes empresários e latifundiários da região. Esses grandes empresários e coronéis muitas vezes são os próprios políticos.
As elites políticas da região Nordeste não podem continuar bancando os “órfãos” do país sendo que essa é uma região rica com potencial muito grande em riquezas naturais e humanas, para seu auto desenvolvimento.
A região Nordeste já foi do final do século XIX ao início do século XX a mais desenvolvida do país sem necessitar amparo das outras regiões.
O Nordeste tem grandes possibilidades de crescimento e de equiparar seu grau de desenvolvimento ao do Centro-Sul do país. Para tanto se faz necessário ampliar o leque de alternativas socioeconômicas da região, sobretudo no Sertão nordestino, e desconstruir o mito de que a seca é única vilã responsável pelos baixos índices de desenvolvimento e que é preciso curvar-se ante os pés do governo federal para que este, ‘piedosamente’, envie socorro aos flagelados.
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2 comentários:
muito bom o texto parabens
Parabéns pelo texto. Lamentável a situação do nordeste e da população carente que nele vive.
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